Em 1920, o Brasil fez sua estreia em Jogos Olímpicos, em Antuérpia, na Bélgica, vinte e quatro anos após a primeira edição da competição na Era Moderna. Para aqueles Jogos, a equipe de tiro desportivo do Brasil foi formada por Afrânio Costa (chefe da equipe), Dário Barbosa, Tenente (EB) Demerval Peixoto, Fernando Soledade, Tenente (EB) Guilherme Paraense, Mário Machado e Sebastião Wolf.
A equipe brasileira enfrentou várias dificuldades para participar da competição, a começar pela viagem do Brasil à Europa, a bordo do Navio Curvello, da Marinha Mercante, cedido pelo Governo Federal. A viagem durou cerca de vinte e oito dias, com os atletas acomodados na terceira classe, em camarotes pequenos e com ventilação inadequada. Mesmo assim, a equipe brasileira seguiu treinando em alto mar.
Em uma escala em Lisboa, Portugal, receosos de que não chegariam a tempo de participar da competição, os atletas brasileiros decidiram seguir de trem até a Bélgica. Assim, viajaram em vagão aberto, sob chuva e sol. Mas o pior ainda estava por acontecer. Na conexão em Bruxelas, a delegação descobriu que parte de suas armas e da sua munição havia sido furtada.
Vencida a batalha da viagem, chegaram ao campo de Beverloo, onde estavam concentradas as demais equipes de tiro esportivo que participariam daqueles Jogos. Por causa do furto, os brasileiros tinham apenas duzentas munições calibre .38, o que inviabilizaria a participação de mais de dois atletas nas competições. Contudo, a perseverança, o espírito de cumprimento de missão, a flexibilidade e a comunicabilidade dos atletas brasileiros foram decisivos naquele momento crítico.
Afrânio Costa, carismático e simpático, características do povo brasileiro, logo fez amizade com os norte-americanos Alfred Lane e Raymond Bracken, contando-lhes o que acontecera na viagem. Sensibilizados, os americanos, numa atitude de fair play admirável, ofereceram parte de seu equipamento para a equipe brasileira: duas pistolas Colt e dois mil cartuchos.
Após a superação dos problemas iniciais, em 2 de agosto, Afrânio Costa conquistou a primeira medalha olímpica da história do Brasil, a medalha de prata na prova de pistola livre 50 metros. No mesmo dia, na prova por equipes, os brasileiros Sebastião Wolf, Dario Barbosa, Fernando Soledade, Guilherme Paraense e Afrânio Costa revezavam as duas pistolas entre si e, mesmo em condições adversas, brilharam com a conquista da medalha de bronze por equipe na prova de pistola livre 50 metros. O Brasil fechou, assim, o primeiro dia com duas medalhas inéditas, um feito surpreendente!
Mas o ápice ainda estava por vir. Em 3 de agosto, o Tenente Guilherme Paraense, levou o País ao lugar mais alto do pódio, ao marcar duzentos e setenta e quatro pontos, dos trezentos possíveis, vencendo, por dois pontos, o campeão mundial, o norte-americano Raymond Bracken – o amigo que havia lhe emprestado munição e armamento. Guilherme Paraense venceu a prova de pistola rápida de 25 metros, acertando um tiro na mosca na prova de desempate e trouxe para o Brasil o primeiro ouro olímpico.
A equipe de tiro, com todos os seus percalços, trouxe três medalhas olímpicas para casa. Guilherme Paraense, por seu desempenho, foi selecionado como o primeiro Porta-Bandeira do Brasil em Jogos Olímpicos.
Somente 32 anos depois, o País conseguiria uma nova medalha de ouro, com Adhemar Ferreira da Silva, em Helsinque, na Finlândia.
Guilherme Paraense nasceu em 25 de junho de 1884, em Belém, no Pará, mas foi ainda criança para o Rio de Janeiro, onde frequentou a Escola Militar de Realengo. Foi ali que descobriu e desenvolveu seu pendor para a modalidade esportiva. Era conhecido por sua tranquilidade, mão firme e excelente mira, que o faziam sempre acertar o alvo, independentemente do formato que tivesse.
No final da década de 1910, sagrou-se campeão brasileiro e também sul-americano na modalidade tiro com revólver. E, em 1914, no Rio de Janeiro, juntamente com um grupo de atiradores, fundou o Revólver Clube, contribuindo para o crescimento deste esporte no País.
Paraense continuou a carreira esportiva como atleta do Fluminense e seguiu, também, a carreira militar, até deixar o Exército em 1941 como tenente-coronel reformado. Faleceu no Rio de Janeiro em 1968, aos 83 anos de idade.
Em 1989, o pioneiro do ouro olímpico foi homenageado pelo Exército Brasileiro, que batizou com o nome “Polígono de Tiro Tenente Guilherme Paraense” o conjunto de estandes de tiro da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), sediada em Resende (RJ). Além disso, no local é realizado, anualmente, um torneio que também leva seu nome, válido para o calendário brasileiro de competições de tiro esportivo.
Por Maristella Marszalek
(MD ASCOM/FM)